Quando eu era criança suspeitava o tempo todo de que meus brinquedos andavam pelo quarto enquanto eu dormia. Era tanta desconfiança que na noite anterior eu fazia questão de lembrar exatamente como estavam os bichinhos de pelúcia na estante. Meu desejo era que no dia seguinte eles estivessem diferentes. Aí eu poderia dizer para eles: "eu sei, gente, eu sei de tudo". Tupongo, o coelho colorido, Lobesco, o lobo de óculos, e o Querido Pônei olhariam um para o outro numa cumplicidade pura e indiscutível. Sem argumentar concordariam em incluir aquela criança no mundo da verdade maior - o mundo mais-que-real - aquele que quase ninguém sabe que existe.

Eu sonhava em flagrar um mundo paralelo e mágico. Abrir uma janela de oportunidade capaz de conectar meu mundo infantil em contagem regressiva com algo que não acabasse nunca. Ser aceita nessa verdade secreta faria eu me sentir especial e amenizaria meu medo das criaturas reais e terríveis do mundo adulto. Demônios em dúvida, serpentes venenosas disfarçadas de responsabilidade e górgonas inseguras com mil cabeças que não dormem. A cabeça adulta é mais fértil para o crescimento de animais assustadores do que a infantil, embora só crianças assumam que têm medo de fantasma. Eu devo ter intuido isso. Por que Tupongo não me ouviu? Ele queria me educar. Ele sabia que se me privasse da luta com os fantasmas, não me ajudaria a ser uma pessoa melhor. Eu não queria crescer e perceber que criar o próprio conforto interno dá trabalho.